quarta-feira, 18 de março de 2009

Despejo Parque Cocaia I

Moradores resistem à derrubada de casas no Cocaia, extremo sul de SP


Ontem o trator já passou por cima de mais de dez casas, mas a população
resiste. Defensoria Pública entrou com liminar para interrupção dos
despejos ligados ao “Projeto Mananciais”

Danilo Dara,
da Redação

Começou ontem (16), no Parque Cocaia I, a derrubada das casas que estão no
caminho do “Projeto Mananciais”, na região do Grajaú - extremo sul de São
Paulo (SP). O prazo para saída das famílias expirou e os Governos
municipal e estadual, juntos ao Consórcio Santa Bárbara, estão coordenando
as ações para remover as famílias.

Ontem o trator já derrubou cerca de 10 casas no Jardim Toca, dentro do
Cocaia. Uma delas quase foi demolida junto com os seus moradores que,
dentro da casa, tentavam em vão resistir ao trator: duas mulheres tiveram
que ficar em frente à máquina para impedir que ela passasse por cima da
casa, dos pertences familiares e das pessoas que lá viviam. Depois que a
notícia correu, muitos apoiadores foram ao local, e o trator interrompeu a
demolição.

A Defensoria Pública de São Paulo, através do Defensor Carlos Loureiro,
entrou com uma liminar contra a Prefeitura para paralisar os despejos, e
com isso ajudar as famílias a ganhar um pouco de tempo para reivindicar
uma alternativa digna. A tensão e a incerteza, porém, continuam.

Até aqui o cenário é o mesmo de sempre em situações de despejo violento:
as luzes das famílias já foram cortadas; muita gente está psicologicamente
apavorada e fisicamente machucada com o início das derrubadas de suas
casas; muitos moradores, aterrorizados, já deixando seu bairro sem destino
certo (voltar a morar de favor? voltar para o norte? migrar para as ruas?
migrar...?). Há várias denúncias de ameaças e constrangimentos, e uma
queixa constante da parte dos moradores: "o que nós fizemos para sermos
tratados dessa forma?". Com certeza, nota-se na região que diversas
famílias – incluindo muitas crianças e idosos - não conseguiram lugar para
ir, e se encontram numa situação-limite, o que gera possibilidade de novos
atos e manifestações para manter suas moradias.

Numa assembléia realizada no domingo (15), moradores pediram para que
todas as pessoas solidárias à resistência da população da região ficassem
atentas e, se possível, estivessem presentes no local ao longo desses
dias, junto aos despejados. O local das primeiras derrubadas fica próximo
à Rua Dr. Nuno Guerner de Oliveira, na altura do número 3.700 da Av.
Belmira Marin. "Diante das ameaças que sofreram, várias famílias já
deixaram a região, mas muitas continuam de cabeça erguida e conscientes de
que sua dignidade e seus direitos são muito maiores que o cheque-despejo
pago pela empreiteira" , afirmou Rodrigo, morador da região.

Velha história

Seu Irineu chegou a São Paulo, ao bairro do Cocaia, há quase 30 anos,
fugindo da seca do sertão pernambucano. Constituiu família, construiu sua
casa de alvenaria com suas próprias mãos, o que lhe deixava orgulhoso.
Junto à esposa, criou seus oito filhos, “à custa de muito trabalho e
sacrifício”. Numa quinta-feira no início de 2009, recebeu a visita de uma
pessoa que se dizia assistente social da prefeitura, e que prometia
benfeitorias para a comunidade. Seu Irineu conta que ela pegou seu nome,
documentos, e “disse que eu devia assinar um cadastro. Era muito simpática
a moça, de fala bonita”.

Menos de uma semana depois, viu uma agitação, um falatório, uma
aglomeração. Aproximou-se, e lá estava a mesma mulher num palanque,
dizendo para todas as pessoas, reunidas num campinho de futebol enlameado,
que eram obrigadas a deixar suas casas num prazo de dez dias, que eram
invasores, que tudo ali seria derrubado. “E como fica nossa situação?”,
questionou seu Irineu.

“'Um cheque de 8 mil reais: é isso, ou sair sem nada!', foi o que disse a
mulher”, relembra Irineu. Ele conta ter visto muitos moradores confusos,
os quais, com medo, aceitaram o cheque que já vinha com o nome de cada um,
assinado pelo “Consórcio Santa Bárbara”. “'A prefeitura queria dar só 5
mil, mas a empreiteira deu mais 3 mil para não ter problema; é pegar ou
largar!', pressionava a mulher”. Seu Irineu pegou e, cinco dias depois,
tinha em mãos diversas passagens rodoviárias: sem alternativa, iria mandar
toda sua família de volta para sua terra natal, em Pernambuco. Todos,
menos ele, porque o dinheiro não dava para a mudança e passagem de todo
mundo. “Vou morar de favor, até conseguir comprar minha passagem”,
conclui.

Situação limite

Esta é a situação de milhares de famílias do Parque Cocaia, do Jardim
Gaivotas, do Cantinho do Céu e de outras tantas comunidades localizadas
nos distritos do Grajaú e Capela do Socorro, no extremo sul da zona sul de
São Paulo. A grande maioria delas, muito próximas às represas Billings e
Guarapiranga. Comunidades constituídas por dezenas de milhares de
trabalhadores e trabalhadoras que, tendo visto negados os seus direitos
mais elementares, desde sempre batalharam pela sobrevivência e por uma
vida digna para si e para suas famílias, entre seus bairros periféricos e
a busca de perspectivas no centro da cidade.

São mulheres, homens, crianças e idosos fadados a uma difícil sina,
geralmente demarcada pela origem nordestina e a cor escura da pele: a
condenação a diversos tipos de exploração na megalópole paulistana ou,
quando deixam de dar lucro às empresas, e a especulação imobiliária
torna-se um negócio mais vantajoso na região onde vivem, são expulsos para
regiões cada vez mais periféricas e precárias.

Parte dessas famílias já havia sido expulsa, nos mesmos termos violentos,
das regiões onde se consolidaram as grandes operações urbanas Faria Lima,
Vila Olímpia, Águas Espraiadas, localizadas ao longo de todo milionário
eixo sudoeste da cidade. Os argumentos geralmente são os mesmos: invasores
que não têm direito às suas casas (muitas vezes com décadas e décadas de
usocapião), muito menos podem atrapalhar os empreendimentos imobiliários.

No caso do extremo sul, a ênfase retórica recai sobre dois outros
argumentos, cada vez mais em voga: morar em área de risco e de proteção
ambiental. Em relação a esse problema, diversos urbanistas e movimentos
sociais da cidade apontam que a solução seria uma verdadeira reforma
urbana, com planejamento para a cidade como um todo, investimento em
infra-estrutura e habitação social, e não a expulsão das famílias lhes
dando em troca um “cheque-despejo” de 5 ou 8 mil reais. Experiências
semelhantes demonstraram que, com esse dinheiro, quando muito, ou se
consegue adquirir um novo barraco na beira de (outra) represa, numa área
mais distante, ou a passagem de ônibus para nova incerteza no norte,
deixando para trás a história construída e os direitos conquistados no
sul. É o caso de Seu Irineu e família, e de milhares como ele.

Extremo Sul

Segundo o Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA) de
Interlagos, que atua na região, na prática já são mais de mil famílias
sendo despejadas pelo programa de urbanização “Programa Mananciais”, em
articulação com a “Operação Defesa das Águas”. Em nota, a entidade
denuncia: “o referido programa de urbanização, apesar de possuir em seu
orçamento verbas para atender a população que precisa ser retirada dos
locais onde mora, apresenta como ação concreta apenas o oferecimento de um
cheque de oito mil reais como indenização à cada família. (...)

O programa prevê intervenção em 80 comunidades da zona sul de São Paulo.
Só no Parque Cocaia I, cerca de mil famílias e, pelo menos, três mil
pessoas. Entre elas, são muitas as crianças e os adolescentes que serão
deixados na rua”. Não é segredo para ninguém que, dentre os principais
financiadores da eleição de Gilberto Kassab para a prefeitura de São
Paulo, estavam grandes empreiteiras e incorporadoras do setor imobiliário.

Uma das últimas etapas para a preparação do terreno, literalmente, dostais “projetos de urbanização” chegou há cerca de um mês no Parque Cocaia I (na parte chamada Jardim Toca): o ultimato aos moradores para a saída de
suas casas. Muitos receberam um prazo de apenas dez dias para que se
retirassem de seus lares, construído ao longo de anos. Esse prazo, para
muitas dessas famílias, se encerrou no dia 14 de março de 2009, e se
materializou na terrível forma de um trator vindo em sua direção.

Fonte: http://www.brasilde fato.com. br/

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